sábado, 5 de março de 2011

EXIGÊNCIA CONTEMPORÂNEAS DEIXAM CRIANÇAS CANSADASE E ESTRESSADAS

 
REVISTA DOMÍNIOS
Escritor por: Cris Oliveira
Data: 30/08/2010

A atual realidade mostra o choque de interesses, compromissos, necessidades e desejos. Criança precisa brincar, mas também estar bem preparada para o futuro, e ampliar seus estudos desde cedo. Pais querem filhos felizes e produtivos e, para garantir isso, trabalham o dia todo em busca de dinheiro e às vezes acabam se distanciando dos filhos. Tudo isso faz com que as pessoas, inclusive as crianças, estejam cada vez mais cansadas e estressadas. Mas afinal, como investir em um futuro promissor para o filho sem privá-lo de viver a infância, garantindo, assim, sua qualidade de vida?
“Os adultos se esquecem, muitas vezes, do principal papel nessa fase que é exatamente o de ser criança, brincar e se divertir. As pressões sociais têm feito com que o desenvolvimento infantil seja acelerado, fazendo as crianças crescerem muito depressa. Deixam de vivenciar os problemas próprios de sua idade e são submetidas a uma rotina onde assumem responsabilidades de adultos. É preciso que os pais reflitam sobre a importância do tempo livre para o amadurecimento emocional e o desenvolvimento da criatividade”, ressalta a psicóloga Gisele Lelis Vilela de Oliveira. Ela complementa que os pais são responsáveis pela formação da personalidade dos filhos e, para isso, é fundamental que eles sejam protagonistas dos cuidados dispensados a eles durante a infância e adolescência. Os pais são os responsáveis pela formação dos valores, ética e posicionamento da criança diante da vida.
Será que, mesmo de forma inconsciente, alguns pais acabam lotando a agenda do filho, para não ter que destinar mais tempo para viver em função dele?
A psicóloga cognitivo-comportamental Irene Araújo Corrêa, acredita que isso pode acontecer. “Ocorre porque os pais estão despreparados para assumir integralmente a responsabilidade de ter filhos ou porque não querem se doar por egoísmo. Lembrando que existem os casos em que os pais realmente enfrentam uma enorme dificuldade de encontrar tempo livre devido ao trabalho. Mesmo nesses casos, devem aceitar o desafio de proporcionar ao filho um aproveitamento mais rico do tempo, praticando uma interação de qualidade com efeitos que perdurem na ausência”.
Outra ocorrência tida como comum é os pais quererem que os filhos façam atividades que eles, quando crianças, não tiveram oportunidade de fazer. “Alguns pais tentam se realizar por meio dos filhos. Nem sempre funciona, pois depende da criança ter interesse e habilidade. Nos casos em que os desejos dos pais não são correspondidos, há um aumento da frustração e a criança pode se sentir pressionada”, alerta Irene.
“Desejar para os filhos um mundo melhor é compreensível, mas o excesso de cobrança dos pais, sobrecarregando-os no cumprimento de atividades é uma prática que pode gerar sérios problemas. Respeite as escolhas do seu filho. Não o compare nem a você nem a qualquer outra criança, ele é um ser singular e apresenta suas particularidades e desejos”, complementa Gisele.


PAIS X ESCOLAS 


Para Reviane Oliveira Garcia, que trabalha na área há 14 anos, sendo especializada em educação infantil, momentos simples entre pais e filhos, nos quais a inserção de atividades é substituída por uma boa conversa, pode fazer toda a diferença no conhecimento entre as partes, e suas reais necessidades. “Criança não nasce estressada, agitada, malcriada, ela aprende tudo isso. A criança nasce livre de crenças e obrigações. Pais ou responsáveis lhes ensinarão a falar, a desejar, a preferir ou a ficarem frustradas. Ninguém possui fórmulas de como agir ‘perfeitamente’, mas pode-se começar pela ideia de que nada se perde e que o erro é imprescindível ao aprendizado. As crianças usarão os pais como guias para seus acertos, sem frustrações, raiva, ou ansiedades desnecessárias”, pontua.
“O problema de tempo e a quantidade de atividades pouco têm a ver com estresse, o que o causa é a forma como as coisas são colocadas. Uma família que incentiva a criança a ir à escola por causa do parque, na hora da atividade será penoso, e ela pedirá para a mãe tirá-la da escola, pois lá ‘é chato’. Se a família estimular a criança a ir a um local de saber, certamente ela brincará feliz no parque, e sentirá um imenso prazer nas atividades. Se uma criança é saudável, ela pode ficar ocupada o dia inteiro com atividades e lhe será um prazer. As férias e os fins de semana existem para a pausa”, explica Ana Maria Fernandes, que atua na área educacional há 28 anos, trabalhando com crianças desde o berçário até o ensino médio. Bom senso e entendimento entre pais e educadores é o que realmente fará a diferença para que as crianças possam estar preparadas, mas sem estresse antes da hora.
Ana Maria acredita que “a sociedade nos impulsiona a sermos diversificados. A globalização exige no mí nimo três línguas estrangeiras, dois tipos de esportes, atualização de leitura popular e culta, domínio tecnológico, além de comportamento empreendedor, sucesso e prosperidade financeira. Quem não está apto a essas coisas, está fadado a ficar fora do círculo da prosperidade e ‘felicidade completa’”. Reviane destaca que, no mundo moderno, há uma opinião em massa, de que é necessário gastar uma suposta energia extra, vinda com a criança. A partir disso, surge o conceito de que elas não podem perder tempo, já que são famintas pelo aprendizado.
“Apoiados pela mídia e embasados no mundo capitalista e diversas mudanças como: crescimento das cidades, ausência de locais voltados para o lazer infantil, a inserção da mulher no mercado de trabalho, falta de segurança, os pais, tentando acertar, exageram na dose e optam pela ocupação integral das crianças. Isso não seria problema, já que nascem pré-dispostas a toda e qualquer atividade. Porém, a forma acelerada as torna ‘mini’ adultos, sofrendo a influência direta de uma sociedade que exige seres perfeitos”.
A psicopedagoga e terapeuta familiar, Ana Cristina Gandara, que trabalha com educação há 21 anos, sendo 12 como diretora de escola, afirma que “no contexto escolar, não vejo outra forma de tornar a educação prazerosa, senão pelo significado e afeto nas relações humanas e cognitivas. O saber sempre está contextualizado a algum sentido. É preciso mediar esta descoberta juntamente à criança, para que ela construa seu conhecimento a partir de sua interação e participação. Na medida que a criança é incentivada a construir o saber, o ser e o conviver, também vai crescendo a consciência de suas devidas responsabilidades com o dever e os direitos (lazer)”.
Ela acredita que o ser humano é ilimitado em suas aprendizagens. “A criança tem todo potencial para ser o que recebe. Ela é dependente dos pais em amor, cuidados, correções, afagos, orientações. Assim crescerá sabendo que a vida tem seus desafios, crises, adversidades, e são estas situações que as fazem crescer como pessoas detentoras de racionalidade, vínculos, altruísmo e afeto, sendo capazes de construir, a cada dia, sua felicidade. A família e a escola têm a possibilidade de estarem juntas nessa empreitada, nessa missão de formar homens e mulheres felizes, capacitados para uma civilização de ordem e progresso”, conclui Ana Cristina.


SINAIS


Atenção para os sinais que podem indicar, de forma clara e direta, que a criança está além de seus limites: choros e tristeza sem motivo aparente, birras, irritabilidade, dificuldade para dormir ou sono excessivo, desobediência, agressividade, dor de estômago e de cabeça, hiperatividade, muita fome ou ausência dela, mudanças fisiológicas, dificuldades na escola, desânimo para realizar tarefas simples e rotineiras, cansaço, dificuldade de relacionamento com os amigos, regressão a comportamentos infantis, entre outros.
Também existem crianças que se adaptam ao ritmo e podem não demonstrar sinais tão claros, mas se os pais as conhecem bem, perceberão as mudanças. Se achar que existe algo de errado com o seu filho, procure ajuda profissional o quanto antes.
E acredite, depressão, síndromes e TOCs (Transtorno Obsessivo Compulsivo) já podem ser encontrados em crianças de 7 anos. E tudo isso pode ter começado em um estresse.


RELATOS REAIS


“Até o fim do semestre, eu estudava de manhã e tinha aulas à tarde. Agora vou fazer tarefa sozinha e os plantões só quando tiver alguma dúvida. Também faço inglês, Pilates e karatê. O Pilates é por recomendação médica, porque tenho idade óssea de uma pessoa de 12 anos. O karatê eu não gosto muito, mas tem o lado de defesa pessoal que meu pai acha importante. Minha mãe organiza minha agenda para que eu possa brincar, ver TV e usar o computador. Eu acho que deveria brincar mais, porque depois cresço e acaba. Há dias que fico muito cansada. Mas também acho que minha mãe está certa, porque ela pensa no meu futuro”. Natália Nakamoto Muradi, 10 anos.
“Eu trabalho em três períodos, então, tenho que confiar meu filho à escola, onde ele está desde os 8 meses, em período integral. Como fico com ele pouco tempo, procuro ser o mais presente possível nesse período. Hoje o grande desafio para educar um filho é conciliar ausência e ensinamento de valores. Não quero tirar meu filho de casa para ter tempo para mim, tudo precisa ser dosado. Na escola ele tem acesso à natação, à informática, à música. E, quando fizer cinco anos, vai entrar no inglês. Eu aprendi inglês tarde, e sofri muito por isso”. Angelita Aprígio Salvador, empresária e professora universitária, mãe de Arthur, 3 anos.
“Eu sempre me preocupei em encontrar uma escola que desse recreação e muito carinho. Faço questão de exercer meu papel de mãe, embora tenha que deixar minha filha, pois trabalho o dia todo. Por hora, ela faz natação, dentro da própria escola. Agora que está completando cinco anos vamos ver outras atividades. Mas hoje ela já chega à nossa casa cansada, janta e logo quer ir dormir. Vejo que a criança de agora já nasce diferente e fico pensando até onde podemos interferir, se o certo é levar para aprender muito ou segurar”. Luciana Machi Sabatini, cabeleireira, mãe da Giovana, 5 anos.
“Tive um caso em que a criança fazia o curso normal da escola e, no período oposto, natação, língua inglesa, academia, ciclismo, dança e ginástica olímpica. Gostava de todos, mas não tinha tempo para as lições de casa. Chorava muito. Reclamava na escola que faziam muitas atividades e, para a família, que a escola exigia muito. Conversamos sobre o que ela poderia eliminar, mas ela não queria deixar nada. Então disse a ela que a saída era parar de reclamar e fazer tudo com prazer. Fizemos uma lista dos benefícios de tudo, e o resultado foi excelente”. Ana Maria Fernandes.
“Tenho uma paciente de 11 anos que se exige demais e relata sentir-se cansada e com pouco tempo para brincar, mas também revela que é uma escolha dela, sem que os pais tenham exigido. Chegou a uma sobrecarga de atividades em que se sentia cansada fisicamente, desatenta e, muitas vezes, triste sem motivo aparente. O pai também tem uma sobrecarga de trabalho e está sempre estressado, o que faz com que ela tenha uma maior tendência para desenvolver sintomas de estresse, já que as crianças buscam modelos de conduta e comportamento nos pais”. Gisele Lelis Vilela de Oliveira.
Uma pesquisa realizada pelo canal televisivo Nickelodeon, em novembro de 2009, revelou que a criança brasileira é a mais estressada entre representantes de 14 países (Argentina, China, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Japão, México, África do Sul, Suécia, Inglaterra e Estados Unidos). A pesquisa foi realizada com 2.800 crianças, entre 8 e 15 anos. Denominada de Equilíbrio Emocional da Criança Brasileira ela também revelou quais as principais preocupações que as crianças têm em relação ao futuro: 96% afirmaram que conseguir um bom emprego é a principal dor de cabeça hoje para elas; 95% também querem fazer os pais felizes; e 88% delas se preocupam em tirar boas notas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário