sexta-feira, 13 de maio de 2011

ARMADILHAS DA VAIDADE


JORNAL DIÁRO DA REGIÃO
Escritor por: Gisele Bortoleto
Data: 28/11/2011

Exageros na busca pelo corpo ideal podem gerar sofrimento ao invés da boa relação como espelho; especialistas alertam para a necessidade de vermos não só a beleza do corpo, mas de nossos valores

Ela passa em frente a uma vitrine, dá uma olhada rápida no manequim, olha sua imagem refletida no vidro e não gosta muito do que vê.Dá uma olhada novamente em sua silhueta para concluir que os seios não estão salientes como os da modelo e também acha que os “pneus” no abdômen estão marcando mais do que gostaria. Pronto. Os poucos segundos em frente a uma vitrine, de um breve momento de prazer gerado pela possibilidade da compra, transforma- se na decisão de em breve se submeter a uma cirurgia no nariz e uma lipoaspiração na barriga.

A grande maioria dos espelhos hoje em dia está tendo a ingrata missão de não mais refletir a beleza de suas donas por culpa delas mesmas, que esperam ver do outro lado uma simetria absoluta da forma. Assim, a busca pela imagem irretocável se firma em uma onda de insensatez coletiva.
Não se trata de ir contra a vaidade, pelo contrário: aplicada na dose certa, faz milagres pela autoestima de uma pessoa. O problema é que o desejo de se parecer com um modelo estabelecido por uma sociedade se tornou uma obsessão. Tanto que as pessoas já não estão mais nem aí se a beleza é natural ou não. As adolescentes, por exemplo, já pintam o cabelo e fazem retoques pelo corpo quando tudo ainda está em cima e bonito. A moda dominante, a cultura, a tecnologia avançada e todos os recursos que hoje a ciência possui já fazem da mulher um objeto de luxo. É possível mudar quase tudo e o reflexo de grande parte das mulheres se tornou postiço com aplicações de silicone, lipoaspiração, maquiagem definitiva, unhas postiças e tudo aquilo que nosso dinheiro comprar.
Foram feitas 645.464 cirurgias plásticas em 2009 no Brasil, segundo pesquisa encomendada ao Ibope pelo 11º Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica, realizado em março deste ano em São Paulo. Em comparação com pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica em 2008, o aumento no número de procedimentos foi de 2,6%.
Do total, 443.145 foram estéticas (69%) e 202.319 cirurgias reparadoras (31%). E a grande maioria na faixa entre 19 e 50 anos.
O implante de silicone nos seios tem conquistado a preferência feminina nos últimos anos, superando as  lipoaspirações, que eram as preferidas dos brasileiros. As plásticas mais procuradas por mulheres são o implante de prótese de silicone, lipoaspiração no abdômen e rinoplastia. Entre os procedimentos não-cirúrgicos estão o  preenchimento e a aplicação de toxina botulínica.
Os números mostram que o público masculino também entrou nesse culto incessante à beleza: 119,2 mil cirurgias no ano passado foram em homens (18,4%), que procuram fazer correções no corpo e rosto. As plásticas mais procuradas por homens são lipoaspirações, transplante de cabelo, cirurgia de pálpebra, ginecomastia, plástica no nariz e correção de orelhas de abano.
E nessa busca incessante pela imagem perfeita, ficamos atrás apenas dos norte-americanos. Dados da American Society for Aesthetic Surgey (ASAPS) revelam que no ano passado foram 10 milhões de cirurgias plásticas.
Aqui no Brasil, já é comum vermos as meninas preferirem, ao invés de uma festa em um parque de diversões, uma tarde com as amigas no salão de beleza, e a boneca Barbie desde cedo já antecipa a descoberta da vaidade. Até a internet já foi contaminada por essa apologia à beleza, de deixar encabulada Afrodite, a deusa grega da beleza. Umsite de relacionamentos, o “Beautiful People”, só admite gente bonita ou que mande uma foto em que pareça bonito. A decisão se você será aceito nesse “seleto” mundo é das pessoas que já foram aceitas no clube. A loucura, pasmem, já tem 600 mil usuários espalhados em 160 países no mundo.
Mas alguém sabe dizer por que a sociedade está padecendo do mal de narciso, aquele jovem da mitologia grega que se afogou de tanto admirar sua beleza nas águas de um rio? A beleza estética e física padronizada pela indústria damoda e da fama é escravizante. O psicoterapeuta e escritor Augusto Cury, emseu livro “ADitadura da Beleza” (ed. Sextante), escreve a respeito dessa beleza, apontando os seusmales.No seu livro, ele revela as mentiras e consequências prejudiciais da beleza padronizada e requerida pelas agências de modelos e da moda. Essa mesma beleza gera complexos, frustrações, doenças psicossomáticas (anorexias, bulímia, distúrbios alimentares, etc.) e o consumismo desenfreado, gastando-se fortunas para se manter a aparência, as linhas, os pesos e as formas corporais exigidas.
O cirurgião plástico Rubem Bottas vê com preocupação o excesso de cirurgias plásticas e a necessidade que muitos pacientes têm de buscá-las a qualquer custo. Por isso, o profissional que atende situações como essas deve ter o bom senso. “A cirurgia plástica pode ajudar muito o paciente na correção de alguma imperfeição, no aumento da autoestima e na melhora de muitos aspectos, porém, tudo tem um limite, e com a cirurgia plástica não é diferente”, afirma Bottas. A aparência física não é tudo. 
Para a psicóloga Gisele Lelis Vilela de Oliveira, há muito tempo somos submetidos a um padrão de beleza imposto por apelos publicitários na TV, nas ruas e revistas. Esse apelo nos traz um modelo estereotipado de perfeição que não reflete a realidade da maioria da população.
“A indústria estética temcrescido intensamente devido a essa enorme insatisfação com o corpo, que reflete a dificuldade das pessoas em assumir os reais padrões estéticos”, afirma Gisele Lelis. Isso tem afetado as pessoas, afinal sua aceitação ou rejeição no grupo social, nas relações afetivas e também na sua relação consigo mesmo dependem desse estereótipo.
A psicóloga diz ainda que as pessoas acabam cedendo a esse padrão devido à exclusão social de que podem ser vítimas, caso não estejam dentro do modelo esperado.
A busca por um padrão de beleza que muitas vezes não condiz com seu biotipo pode trazer várias consequências, já que a pessoa busca isso a qualquer preço. “Há umsofrimento psicológico muito grande nessa insatisfação que vivemos e coma ideia de que só a estética, a beleza e a juventude vão nos tornar amados”, explica.
Isso faz com que as pessoas abusem de medicamentos para emagrecer, excedam- se em dietas “milagrosas” e exagerem em atividades físicas. Com isso, ficam propensas a desenvolver alguns transtornos alimentares graves, podendo trazer sérios prejuízos na vida pessoal e profissional.
“Precisamos fazer uma intensa reflexão sobre esses modos de manipulação em massa, buscar autoconhecimento e resgatar a individualidade, pois só assim poderemos obter satisfação”, afirma Gisele.
Somos singulares, temos uma beleza e valores próprios, e esses não estão associados apenas ao corpo, e sim a um conjunto de características. Claro que a vaidade pode ser positiva, mas quando a mesma está orientada para o investimento em qualidade de vida.
“Faça as coisas a seu tempo e evite se expor a riscos desnecessários. Há um limite para tudo, inclusive para a energia que você canaliza para a beleza. Sua inteligência e personalidade são muito importantes, valorize-as”, diz a psicóloga. Liberte-se para fazer suas próprias escolhas. Assuma seu corpo e sua vida. Afinal, são as diferenças que tornam a vida interessante.
O maquiador Fábio Gonçalves, da regional Rio de Janeiro da Natura, diz que beleza, para ele, não é aquela  imagem estampada na página das revistas de moda ou de boa forma, que exibe mulheres perfeitas. “A beleza está na gente, na vida, na nossa forma de viver, de sorrir e encantar as pessoas”, afirma.
Na opinião do maquiador - que diz ser contra as mudanças radicais -, cada pessoa deve se assumir como é. Até mesmo a moda exige bom senso e nem todas as coleções lançadas caem bem no biotipo de todo mundo. “É preciso se adequar e você não tem de sofrer por conta disso”, afirma.
A dica do maquiador é que você pode usar alguns truques para ressaltar os pontos positivos do seu corpo ao invés de tentar mudar os que não gosta, e ser feliz porque não temos tempo para sofrer.
“Se você tem olheiras, por exemplo, realce a boca com um batom vermelho bem lindo que ninguém vai nem olhar/ para a olheira”, afirma. Se você tem lábios muito finos, ao invés de colocar botox, pode caprichar na maquiagem do olho, usando uma sombra com uma cor bonita que esteja em voga. Se tem uma cintura fina, pode usar um cinto para realçá-la ou se tem um cabelo bonito, pode usá-lo solto. “Use o que você tem de melhor”, diz.
A interferência das tradições culturais no corpo e na aparência e o que a mulher é capaz de fazer para ficar bonita também é tratada no livro “Ritos do Corpo” (ed. Senac), escrito por Maslova Teixeira, Lorelai Kury e Lourdes Hargreaves. Elasmostramque aparência corporal reflete informações históricas e sociais sobre a pessoa e seu meio e fala da necessidade do ser humano de atuar sobre seu corpo para expressar desejos, a relação com o seu tempo e sua autoimagem.


Beleza que emana da vida saudável

As denúncias de ditadura da beleza, da imposição de padrões e das loucuras cometidas pelas pessoas para atingir esse ideal não são exatamente novas. Embora tudo isso continue sendo verdade – algo que se observa facilmente olhando ao redor - a boa notícia é que já existe uma contratendência crescente que atrela beleza e saúde.
Hoje, são vários os movimentos que atacam de certa maneira a base da construção em torno da beleza padronizada a que todos têm de servir. Esse movimento coloca a beleza como algo a ser atingido a partir de uma vida saudável.
O sociólogo Dario Caldas, do Observatório de Sinais, diz que o movimento de culto à beleza emergiu com muita força na civilização ocidental a partir dos anos 1980 e tem a ver com as mudanças que surgiram com a mulher mais emancipada, forte, autônoma e independente sexual e financeiramente. “Quando o feminismo começa a colher seus frutos, essa ‘corpolatria’, outro tipo de amarra social e cultural, começou a se levantar”, diz.
No entanto, segundo ele, aspectos novos estão emergindo com mais força do que a continuidade desse status quo atual. Entre os exemplos estão a questão da qualidade de vida, onde aparecem enquadrados o bem-estar e a felicidade, imperativos mais pessoais e individuais para se construir aquilo que é estar bem consigo próprio.
“Ninguém está dizendo que a beleza deixou de ser necessária e, embora essa seja uma realidade que se generalizou, temos de olhar para os sinais que mostram que essa beleza a todo custo está sendo questionada fortemente de todos os pontos de vista e a força dos ataques tem sido crescente”, afirma ainda o sociólogo.
De acordo com a nutricionista Rosane Longuinhos de Faria Barbieri, vários estudos comprovam que, por meio de uma boa nutrição, não só conseguimos a beleza como uma vida mais saudável e] longevidade. Para isso, segundo ela, é recomendado comer bem, e isso implica escolher corretamente os alimentos que contenham nutrientes essenciais para o bom funcionamento do organismo. Sem esquecer, é claro, que a boa alimentação deve estar associada a uma  atividade física, a um sono adequado, a uma boa hidratação do corpo e ao controle do estresse, que influenciam na aparência e na beleza. “Estes são fatores importantíssimos que, em conjunto, vão fazer com que consigamos uma qualidade de vida melhor, uma saúde boa e, por trás disso, uma beleza natural”, explica. _ (GB)

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