sexta-feira, 11 de março de 2011

O PERIGO DE OLHAR PARA TRÁS



JORNAL DIÁRO DA REGIÃO
Escritor por: Gisele Bortoleto
Data: 11/03/2011

Investigar de maneira obsessiva o passado do parceiro é sinal de insegurança, que desencadeia ciúme, sofrimento e prenuncia o fracasso da relação

Deveríamos levar mais a sério a frase do célebre escritorfrancês Gustave Flaubert (1821-1880), que diz que “O futuro tormenta-nos e o passado retém-nos. É por isso que o presente nos foge”. Ainda mais quando o assunto são os relacionamentos humanos, que não se repetem e cada relação é única. Qualquer  Um que inicie uma relação amorosa sabe que a pessoa com quem está se envolvendo teve outros relacionamentos - alguns mais e outros menos significativos.
À medida que a relação vai evoluindo, as pessoas precisam saber se as relações anteriores ficaram  realmente bem guardadas no passado. Como existem diferenças  muito significativas de pessoa  para pessoa, e sobretudo porque a história de cada casal é única e especial, surgem, muitas vezes, conflitos sérios a propósito desta questão. Os especialistas garantem que em qualquer relação conjugal  a confiança é crucial para a consolidação da intimidade, e vasculhar as relações do passado costuma fazer mais mal do que bem para a estabilidade da relação. Não ter essa confiança  é algo que vai completamente fora do curso que qualquer pessoa deseja em uma relação.
E, muitas vezes, o nosso mau hábito de vasculhar o passado surge da crença nas  palavras do filósofo chinês Confúcio (551-479 a.C.): “Se queres prever o futuro, estuda  o passado”.
Sentir-se seguro ao iniciar um novo relacionamento é algo que todas as mulheres, e muitos homens  (acredite), buscam. Dessa forma, muitas pessoas mergulham de cabeça à procura de informações sobre o passado.
Investigar de maneira obsessiva o passado da outra parte é um sinal de insegurança e medo de sofrer. É uma atitude das pessoas que não têm critérios próprios ou não valida as próprias referências.
A psicóloga cognitivo-comportamental  Mara Lúcia Madureira  afirma que algumas pessoas precisam vasculhar o passado da cara-metade para ficar remoendo as lembranças, recriando cenas conforme sua
própria interpretação a fim de sofrer. O sofrimento a conduz a um estado de vitimização, como se ela não tivesse o direito de ser feliz e precisasse do sofrimento  e da insegurança para sentir que ama.
“Esse é um comportamento obsessivo, um pensamento ruminante, e a pessoa precisa ter acesso a essas informações que nunca vai saber realmente  porque o outro sempre pode dizer o que quiser”, diz Mara Madureira.
O que não podemos nos esquecer é que o passado não se repete e que cada relação é construída de uma maneira. Atitudes como essas podem resultar em discussões frequentes e até no fim da relação. 
Se a parte vasculhada gosta dessas cenas de ciúme e, para  ela, é prazeroso ver o sofrimento da pessoa, a relação se  manterá nesses moldes. Caso contrário, o fim estará próximo.  Se houver interesse em deixar esse comportamento de lado, será preciso procurar ajuda terapêutica.
Para a psicóloga Gisele Lelis Vilela de Oliveira, essa invasão ocorre por ciúme, um sentimento normal no ser humano, universal. No entanto, ele se manifesta de forma diferenciada  em cada personalidade. 
O ciúme surge de diversas formas e a origem está vinculada  ao sentimento de inferioridade,  desprezo ou exclusão pela outra pessoa. Ele se instala em momentos de insegurança e incerteza.
O ciúme normal é desencadeado por fatos reais e passageiros. Ele pode ser positivo se moderado, pois mostra ao parceiro que as conquistas precisam ser  realizadas dia a dia e que cada lado do casal deve conquistar o outro diariamente. No ciúme patológico, a pessoa não precisa de motivos, está sempre em vigilância, apresenta um grande desejo de controlar totalmente o parceiro e seus sentimentos.  "Apresentam uma preocupação obsessiva com relação ao passado do parceiro e seus relacionamentos anteriores, vasculhando assim o passado dele, buscando fatos e detalhes, uma desconfiança excessiva e sem fundamentos”, diz Gisele Lelis.
Esses sentimentos envolvem ainda um medo excessivo de perder o parceiro para outra pessoa, que pode ser um ex, uma pessoa atual na vida do parceiro ou, até mesmo, rivais imaginados. Gisele afirma ainda que isso pode ser extremamente prejudicial ao relacionamento, no entanto, há pessoas que não conseguem lidar com esses sentimentos de forma saudável e a dor causada pelo sentimento de perda é muito grande, e inviabiliza um envolvimento mais intenso. “É preciso que se realize uma reflexão a  respeito disso, pois a pessoa pode estar perdendo a oportunidade de melhorar  a sua relação com o parceiro, de  melhorar a qualidade desse vínculo amoroso que tanto deseja manter”, explica. Isso faz mal tanto para as vítimas do ciúme quanto para seus parceiros. Essa dinâmica faz com que o  investimento na relação seja muito prejudicado e que o companheiro não seja investido de nossas emoções o tanto quanto se gostaria, deixando com isso de vivenciar momentos exclusivos e únicos ao lado do parceiro que elegeu. Oque faz com que nos sintamos  mais seguros em uma relação é a soma de momentos que vivenciamos ao lado do parceiro, com isso, cria-se uma cumplicidade que proporciona  segurança.
“Precisamos nos lembrar que um relacionamento  saudável potencializa o que as pessoas têm de  melhor”, explica  Gisele Lelis.
Essa distorção do amor faz com que a pessoa experimente várias emoções e inúmeros transtornos no contexto de seus relacionamentos amorosos. E isso não vai se modificar mudando de parceiro e, sim, a
partir de reflexões sobre suas atitudes, de mudança de comportamentos assumidos diante da vida e dos relacionamentos amorosos.
Isso leva a um sofrimento intenso, pois o ciumento patológico costuma olhar tudo com uma lente de aumento.“Há pessoas que passam do limite por falta de confiança em si mesmo, medo de perder o parceiro ou até mesmo por insegurança, e isso gera muito sofrimento. É um sentimento que escraviza e
atormenta”, diz. Muitas vezes, as pessoas passam a vida colecionando frustrações e sofrimentos, e com isso, não se dão a chance de mudar,  de experimentar o novo, de vivenciar outras possibilidades e intensidades.
A psicóloga cognitivo-comportamental  Janaina Moreira afirma que a insegurança e o ciúme levam a  esse comportamento, na maioria das vezes, porém, a pessoa pode também desejar controlar todos os passos do companheiro pelo simples fato de querer manter o controle da situação. No primeiro caso, é  preciso que o casal se entenda e que a pessoa que está com essa obsessão coloque ao parceiro os  motivos da insegurança. “Muitas vezes, isso vem do sentimento de inferioridade, da autoestima baixa”,  diz. O resultado pode ser o final do relacionamento, pois ninguém gosta de ser vigiado ou controlado.
Uma relação na qual o parceiro,  ou ambos, se sente seguro apenas se souber de cada passo que o outro dá está fadada ao  fracasso.
É muito comum que namorados informem ao parceiro a senha de e-mails, MSN ou orkut, por exemplo,  como forma de cumplicidade. No entanto, isso dá início a um relacionamento sem individualidade alguma. 
“Todos temos uma vida paralela e isso não é sinônimo de infidelidade. Quando a pessoa vasculha algo, ela já está pronta para encontrar motivos para desconfiança”, diz Janaina Moreira. Uma simples conversa com uma pessoa que ela não goste pode ser motivo de briga. O sofrimento, neste caso, segundo explica ainda Janaína, é de ambos. O ciumento acaba entrando em um ciclo de procurar o  tempo todo motivos e provas de que está sendo traído e, com isso, deixa de curtir uma relação que  podia ser prazerosa. Já quem é controlado pode se sentir sufocado.

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